sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

VIVA APLAUSO 1

É uma combinação de três crenças, imagino.

A primeira é aquela que Nelson Rodrigues chama de complexo de vira-lata, e que Groucho Marx enuncia como “não quero pertencer a um clube que me aceite como sócio”. Não sei como isso cresceu em mim. Só sei que vi, aos 15 ou 16 anos, Woody Allen contar a piada em Annie Hall. Todo mundo riu. Eles porque, imagino, reconheceram ali um amigo, uma namorada, um tio, uma mãe – alguém eternamente descontente com o que alcança. Eu porque, bem – só então me dava conta de que nem todo mundo era assim.

A segunda é a ética (protestante e capitalista, penso) do “no pain, no gain”, de que tudo tem o seu custo, de que o benefício é diretamente proporcional ao esforço. Também não sei bem de onde tirei isso. Lembro-me de ter lido na Time ou na Pop, ainda criança, que para Mick Jagger sua música era 1% inspiração e 99% transpiração. É isso mesmo, eu saboreei comigo mesma. Por algum tempo repeti essa expressão (que só há pouco aprendi ser de Thomas Edison) para celebrar a supremacia do trabalho árduo.

A terceira é a idéia dos gênios além do seu tempo, da arte que não se curva ao mercado, da independência intelectual. Aos 19 anos vi a poesia Viva Vaia, de Augusto de Campos, na casa do seu filho Cid. Uma pequena, er, instalação sobre a mesa da sala. Naqueles triângulos vermelhos num fundo branco estava concretizado o que eu sabia desde sempre. Quando, mais tarde, deparei-me com a máxima "aquilo que criticam, cultive-o, porque é você", pensei: Da próxima vez, Monsieur Cocteau, conte-me algo mais original.

Desde tão cedo em mim, essa insaciedade, esse perfeccionismo, essa baixa auto-estima, essa aspiração, esse desprezo pelo fácil, essa indiferença pelo elogio – tudo isso até que me serviu bem. Devo-lhes, acredito, o mestrado na USP, as bolsas de estudo no Japão e no Canadá, o estágio no FMI, o emprego em Wall Street no patriciano JP Morgan.

Mas que peso, que sofrimento, que trabalho! Que tormento – e aqui parafraseio Manuel Bandeira – esse anseio infinito e vão de possuir o que não possuo! Como parte do feng shui que lhes contei em Now is the Winter of Our Discontent Made Glorious Summer, decidi que essa era uma roupa que não me servia mais. Também eu não quero, Manuel Bandeira, o que a terra só dá com trabalho.

“Mas você estava carregando isso até hoje?”

Assim reage Cláudia A., minha amicíssima desde os 12 anos, quando eu lhe conto, às vésperas do reveillon, sobre a Lux 2008. Ela me explica que até mesmo o pai do neoliberalismo Milton Friedman (autor, nos anos 70, do livro “There is no Such a Thing as a Free Lunch”) já havia reconhecido que há, sim, almoço de graça. “Ah, basta ver o monte de coisa incrível, simples e grátis na internet”, ela argumenta.

E ao ouvir isso assim, tão claro, tão simples e tão evidente. Ao ouvir isso assim, e pelo menos por alguns instantes, foi como se tanto da minha vida eu houvesse vivido, como talvez Shakespeare resumisse, num much ado about nothing.

2 comentários:

Alberto Pereira Jr. disse...

exigir-se o melhor, e nada menos do que isso é um caminho com duas bifurcações: pode levar ao topo, com a excelência adquirida, mas também pode fragilizar o ser humano que nunca aceita nem o menos nem o máximo, quer sempre mais.

Mas tenho certez que sua sabedoria nunca lhe deixou tombar pelo gosto do melhor.. e tudo que vc conquistou foi merecido pelo ser humano que é.

Anônimo disse...

Adorei a referência às nossas profundas discussões de final de ano ( 2007). Talvez seja antipático fazer correções, mas são necessárias. Na verdade, quem fez o comentário de que o mundo moderno apresentava várias situações de " almoço grátis" foi o escritor futurista norte-americano Alvin Toffler em uma entrevista dada a um jornal paulista, durante visita que fez ao Brasil em 2007. Ah, fiquei emocionada com a referência à minha pessoa como " amicissíma". Devo confessar que ontem tive uma recaída na minha proposta fixada para 2008. Você se lembra qual era, não? Pois é, fui um fracasso, mas hoje estou recomeçando com toda a firmeza... ( Ih, será que o texto está bom? Será que a concordância está OK? Será que o nome do autor não está errado? Tenho certeza que fui a culpada por tudo... OPS, parece que estou tendo nova recaída...