terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

ASSIM VOCÊ ME INSULTA

Que eu me sinta insultada é bastante raro. Não é que eu ligue o f*&$-se, como se diz: Eu preferiria que todo mundo me achasse uma fofa e me tratasse como o gênio trata o amo. Então não, não dou de ombros quando alguém me atribui um gesto, intenção ou sentimento que não fiz ou tive, quando alguém me nega ou me tira algo que me é caro. Mas daí a me sentir insultada? Nein, Danke!

Uma amiga sempre se surpreende: “Mas você vai ficar assim, como um carneirinho?” Para ela, diante de um insulto, uma provocação – e tanta coisa chega-lhe como um insulto, uma provocação – o valentão briga e o medroso foge. Tento explicar-lhe que não me senti insultada, que sou seletiva naquilo em que coloco a minha energia, que se algo me é importante vou sim negociar, mas sem necessariamente brigar. Mas o seu olhar revela outro veredicto: “Blá, blá, blá, D. Lúcia. No tienes cojones, isso sim.”

Parece que a minha amiga tem alguma razão. Afirmam alguns cientistas que temos três cérebros em um; o mais simples e instintivo deles, o reptiliano (pois se parece com o dos répteis) opera em fight or flight (luta ou fuga): Diante da sensação de perigo o valentão se enche de raiva (ou coragem) e briga; o medroso se enche de, er, medo e foge. Porém, sugerem esses cientistas, se não estou numa situação de sobrevivência, posso e devo renunciar a essa solução binária e reptiliana. É para isso que tenho o cérebro néo-cortical: Para construir múltiplos significados para os fatos diante de mim, para construir múltiplas alternativas de ação diante desses significados, e para escolher, entre esses significados e alternativas, o que fazer.

Mas esses argumentos da neurociência não funcionam para a minha amiga, uma brigona de primeira. Quando ela me conta uma briga – ah, ela não me conta uma briga; ela revive, ela ressente essa briga! E aí vem, num crescendo, a indignação, a raiva, a ira, a cólera. E no meio dessa explosão de emoções, por Iansã – não sei mais se ela está a me contar uma briga ou a brigar comigo!

E não são só as suas brigas: São as minhas também. Fidelíssima, ela enxerga pessoas brigando comigo ou me provocando, ela me alerta para essas brigas e provocações – “please, don’t be a Iago!”, eu insisto –, ela é capaz de brigar por mim uma briga que sequer reconheço!

O que eu faço com essa amiga tão fiel mas beligerante?

Já pensei em, a la Major Nelson, prendê-la numa garrafa. Ao menos nos dias de TPM, que no caso dela significa Treinada Para Matar. Francamente, não seria só facilitar a minha paz de espírito: Ser-lhe-ia um enorme serviço de gestão e prevenção de crise. Dei uma pesquisada nessa solução, mas os fatos me desanimaram: A garrafa funciona para os gênios – não para as geniosas.

5 comentários:

Too-Tsie disse...

As vezes eu faço o papel da sua amiga quando estou com namorado.
Bom, acho que o primeiro passo do "controle" é o reconhecimento, e isso eu já fiz.
Mas eu creio que estou evoluindo, nesse findi passado, fomos almoçar num restaurante baiano, e no final da nossa refeição, vieram 2 garçons para recolher a mesa, e estavam comentando sobre futebol, que time tal é bambi e o outro disse que nunca, que ele é espada e corinthiano, algo assim. Pode parecer idiota mas senti uma clara referência a nós, aliás, meu namorado não entendeu e riu com eles, depois que eles saíram, ele perguntou o que significava aquilo.
Preferi não explicar o que eu achava que era, não queria estragar o dia, e na verdade eu nem tinha certeza.
Adoro o restaurante, tem um clima ótimo, descontraído, caseiro (as mesas ficam no quintal). Pena que esse tipo de comentário maculou a imagem que eu tenho do lugar, mas nada que impeça uma volta lá.

Beijocas

Alexandre Lucas disse...

A razão ilumina mesmo muita coisa =)

Gostando cada vez mais do blog ;)

Lúcia BL disse...

Respostas:

olá, alexandre! obrigada pelo comentário tão generoso! essa teoria do cérebro triuno, o que lhe parece? a psiquiatria utiliza-se desse conceito? (pra quem não sabe o doutor alexandre, além de lindo e divertidíssimo, é médico psiquiatra.)

salut, tootsie! emocionei-me, e muito, com a sua generosa menção à influência positiva do meu bloguinho na sua vida. não me lembro de ter ouvido isso antes – foi, então, uma dupla alegria. muito obrigada!

e obrigada também por esse comentário/post. lamento muito pela situação no restaurante baiano. estar num restaurante, pagar por seu consumo, e ouvir dos garçons essas brincadeirinhas – caramba..!

mas o que lhe incomodou mais? que essa piada fosse (talvez) dirigida a vocês? que rolasse uma piada homofóbica entre os garçons? ou que o seu namorado percebesse o conteúdo homofóbico dessa piada?

pergunto porque quando saio com a minha mãe, eu sinto que preciso protegê-la do mundo, rs. se estou sozinha ou com amigos e alguém é ríspido ou indelicado comigo – inclusive através de piadinhas cujo conteúdo me é ofensivo –, isso tem um desdobramento.

mas se a minha mãe está comigo... caramba, eu não quero que a minha mãe perceba que alguém foi ríspido ou indelicado comigo ou conosco! eu não quero que ela saiba que existem pessoas ríspidas ou indelicadas no mundo! eu quero que a minha mãe sinta o mundo como uma comédia romântica com rock hudson e doris day.

que maluquice – e para quê? sobretudo porque eu faço o maior movimento para que o mundo chegue para a minha mãe como essa comédia romântica – mas não tomo muito cuidado para que eu mesma lhe chegue como uma doris day :-$

quando ouvi esquadros da adriana calcanhoto, percebi que não era apenas eu. aquele trecho do “eu presto muita atenção no que meu irmão ouve / e como uma segunda pele, um calo, uma casca / uma cápsula protetora / eu quero chegar antes / pra sinalizar o estar de cada coisa / filtrar seus graus”.

e depois que assisti a “goodbye, lenin” e a “invasões bárbaras” – onde os filhos procuram proteger os pais, respectivamente, da queda do comunismo na alemanha oriental e do fracasso do sistema social de saúde do canadá... ah, eu me encontrei.

talvez por eu ser mulher e não ter filhos, a única pessoa com a qual eu exerço essa proteção é a minha mãe. ainda assim, isso é um pouco (hey, jude) carrying the world upon my shoulders. será que os homens (amigos, namorados, ex-marido, pai, irmão) exercem isso comigo e eu nem percebo? será que a minha mãe exerce isso comigo?

e você? sente-se exercendo essa proteção com alguém? alguém a exerce com você?

desculpe ter mudado o assunto do comentário – mas eu me identifiquei com a sua história mais pela perspectiva da proteção do que pela perspectiva do sentir-se insultado.

beijo bem grande!

Too-Tsie disse...

Nossa, Lucia! Fiquei arrepiado por você descrever o que eu sinto.
O que realmente pegou foi que meu namorado se chateasse, por isso passei um zíper e mudei de assunto na hora que ele perguntou o que significava aquilo.

Não sei se isso faz bem pra gente, mas eu sou um escudo, para o meu namorado, para minha mãe também. Mas não gosto de demonstrar que estou protegendo, sou um escudo sutil.

Não é uma obrigação, faço por instinto, por querer bem, as vezes me vejo como um filtro.
Corro para pegar cartas, atender ligações, abrir portas, a vida cotidiana vem com uma dose de aborrecimentos que eu prefiro não repassar, se necessário. I can handle it.

Tem horas que a gente precisa de um descanso, de colo, desovar todo esse excesso de "farpas" que ficaram grudados no escudo.

Como fazer? Não sei, na maioria das vezes acho que um choro escondido lava tudo isso embora.

Distração ainda é um bom curativo, por isso eu valorizo tanto qualquer coisa, que me abduz da realidade que seja por 2 minutos, renova o espírito.

Alberto Pereira Jr. disse...

também não sou de me indispor facilmente.. mesmo se insultado ou desafiado tem situações que o silêncio ou um olhar de reprimenta dão conta do recado..

ps: um episódio da primeira temporada de Heroes chamava fight or flight..