quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A ARTE DE PERDER 2

Mas será que é assim mesmo?

Será que posso, Mr. Warhol, quebrando uma coisa por semana, aprender sobre a fragilidade da vida? Melhor: Aprender a lidar com a fragilidade da vida? Posso, Ms. Bishop, perdendo um pouquinho a cada dia – chaves, tempo, lugares, nomes –, dominar a arte de perder a vida?

Minha grande amiga Renata saberia melhor: Ela dedicou sua vida profissional e acadêmica a ajudar pessoas a lidar com a fragilidade da vida. Em 2001, sua tese de mestrado concluiu que vítimas de um tumor maligno desejavam ter o máximo de informações sobre seu estado de saúde, ainda que o quadro fosse terminal. Na época, a maioria dos profissionais que cuidava de vítimas de câncer era adepta da "mentira piedosa": Diagnóstico completo não para o paciente, mas para a sua família. A conclusão da Renata foi tão inovadora que ganhou também as páginas da imprensa brasileira não especializada, e as do International Journal of Psychiatry in Medicine. “Ao ser informado do que está ocorrendo, o doente sente-se no controle de sua vida: aceita ou não o tratamento proposto, altera projetos de vida e se prepara para o que está por vir", afirmou a Renata. Se é que podemos aprender a perder a vida, a nossa própria e aquela de quem amamos, se é que isto é uma arte – a Renata a dominava.

Mas não dá mais para perguntar para ela: Minha grande amiga Renata, que aqui já descrevi como uma irmã, foi assassinada hoje. Pensei até em suavizar, dizendo que a Renata partiu ou não está mais entre nós. Mas em respeito ao compromisso que ela tinha com a verdade – a Renata foi assassinada.

Que a sua carreira ajudando pessoas a lidar com a fragilidade da vida, que a sua vida pacífica, corajosa, generosa, comprometida, amorosa, divertida – que a memória da vida da Renata nos inspire a lidar com essa situação-limite, com essa provação, com a dor da sua falta.

A ARTE DE PERDER

Ontem ouvi o cineasta Bruno Barreto declamar um trecho da poesia One Art, de Elizabeth Bishop. As primeiras estrofes da versão em português são assim:

"A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.”

Invadiu-me um quase déjà vu. Uma frase reconstruiu-se aos poucos na minha memória. “I broke something today, and I realized I should break something once a week... to remind me how fragile life is”. Era de Andy Warhol.

Invadiu-me então uma epifania, uma súbita sensação de realização: É possível transcender não só a partir de uma situação-limite, de uma provação – mas também a partir de experiências corriqueiras, do cotidiano! Agora, ao escrever, dou-me conta de que não foi de todo súbita essa sensação de realização – aqui mesmo eu já lhes havia confidenciado que "muitas vezes o sagrado se revela para mim na mais profana das experiências".

Mas invadiu-me, dessa vez sim, ao lado dessa sensação de realização, também uma esperança: Que maravilha transcender não a partir de uma situação-limite, de uma provação – mas a partir de experiências corriqueiras, do cotidiano!

DEZ IRMÃOS

Postado originariamente em 1/5/2007, DEZ IRMÃOS

Éramos quatro irmãos: Ana, Lúcia, Marília e Toni. Na nossa infância ganhamos mais quatro: Bel, Bia, Cínthia e Aninha. E na nossa adolescência ganhamos mais duas: Kiki e Renata.

Dez irmãos é coisa muito boa... mas é muita coisa! Ainda bem que morávamos em três casas... Quem daria conta de dez crianças? Dez adolescentes?

Imaginem a minha mãe arrumando dez crianças para levar à Cultura Inglesa, à Aliança Francesa, à natação, ao ballet, ao judô, à escolinha, ao Porto Seguro, aos casamentos das suas dezenas de primos. “Aviso aos navegantes: Quem vai, vai. Quem não vai, fica!” Quantas ficariam prontas a tempo? Imaginem o meu pai contanto estória para dez crianças dormir. Haja personagem! E consertando os secadores de nove meninas? E o Toni tendo de lidar com nove calcinhas penduradas no chuveiro? Nove meninas disputando o telefone. A minha avó Neta fazendo bolinho de chuva para um quase time de futebol. A minha avó Ermelinda fazendo dez crianças escolher seu tenor predileto entre Tito Schipa, Beniamino Gigli e Caruso.

Imaginem a tia Beth ensinando bons modos para uma dezena de mal-criados. O tio Ernesto entretendo dez crianças com mágicas e palhaçadas. A Zê pedindo para dez crianças moderar na bagunça. Que carro o tio Geraldo teria para levar dez adolescentes baladeiros ao Papagaio’s, às festinhas? Uma Kombi? E que paciência a tia Marilena precisaria ter para tirar da cama dez adolescentes dorminhocos em Guaecá! E quanta estória de namoro a Inês precisaria contar para prender a atenção de dez adolescentes curiosos?

Ninguém daria conta!

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

IS GABRIELLA CILMI THE NEW AMY WINEHOUSE?

Vira e mexe alguém se refere também à australiana Gabriella Lucia Cilmi como the new Amy Winehouse. Ela prefere ser the next Robert Plant. Não sei.

Na minha história da música, Gabriella é a nova Mallu Magalhões. Ok, a Mallu não aquele vozeirão lindamente rouco. Mas as duas compõem, interpretam, tocam. As duas têm canções em comerciais de TV – J1 para Vivo, Sweet About Me para Rexona.

E as duas têm, cada uma delas, dezesseis aninhos. Não resisto ao trocadilho: Everything's sweet about them. (Ouch!)


IS SAM SPARRO THE NEW MIKA?

Black and Gold e 21st Century Life não me entusiasmam. Mas adzoro a interpretação jazzy de American Boy de Sam Sparro – o australiano a quem, vira e mexe, alguém se refere como the new Mika.

He writes, he sings, he raps. Alguém sabe se ele dança?

IS ESTELLE THE NEW AMY WINEHOUSE?

A menos que você esteja passando 2008 em Marte, você também deve ter se pego cantarolando “take me on a trip, I'd like to go some day, take me to New York, I'd love to see L.A.". E depois, "cool down – down, don't act a fool now – now, I always act a fool – ow, ow, ain't nothing new – now, now". A deliciosa American Boy toca tanto que sua compositora e intérprete, Estelle, diz estar cansada da canção. Mas não eu.

Vira e mexe alguém se refere a Estelle como the new Amy Winehouse. Será? Estelle tratou de decretar que a música das intérpretes brancas (Amy, Duffy, Adele, Lilly Allen) do chamado novo soul britânico – bem, it ain’t soul. E que ela, Estelle, é uma garota britânica not on drugs or crazy.

Não sei se Estelle é a nova Amy Winehouse. Mas na minha primavera de 2008, American Boy is the new Umbrella. E na minha história das imagens, o seu vídeo é um ícone do branco e preto.

She writes, she sings, she raps. Ok, Estelle can’t dance – mas como diz aquele cara na cena final de Some Like it Hot, outro ícone do branco e preto, nobody’s perfect.



Nota: Esta é a versão clean edit. Sumiu do YouTube a versão dirty edit, sem edições, em que Kanye West diz "most of this press don't f*ck wit me", e onde há um close do button do Michael Jackson quando Mr. West diz "and I'm feelin like Mike at his baddest". De que se tratam essas versões clean edit? De uma infantilização do entretenimento? (Não, esta blogueira não escreve ou fala palavrões. Mas não tem problemas em lê-los ou ouví-los; aliás, tem problemas em vê-los censurados. Qualquer hora escrevo sobre essa escolha.)

OUTRO RETRATO EM BRANCO E PRETO

Quando, nos anos 90, os jornais começaram a estampar fotografias coloridas, aquilo me pareceu um desastre. Não que eu achasse que a essência da fotografia é o branco e preto, como disse Henri Cartier-Bresson. Ou que eu visse o mundo em branco e preto, para falar com Sebastião Camargo. Nem que eu concordasse que cores, em fotografia, tiram a elegância e a seriedade do jornalismo. Nada disso. Fotografia colorida em jornal pareceu-me uma grande idéia – mas a execução, isso sim, era um desastre. O jornal chegava às minhas mãos com fotografias coloridas cheias de distorções cromáticas, fantasmas e sombras.

Muita coisa mudou desde então.

Outro dia chegou às minhas mãos um exemplar do jornal gratuito Metro. Um anúncio de página dupla, central, estampava uma enorme barra de chocolate. Num dos cantos faltava uma mordida, cada dente bem definido, sugerindo que ele tinha a consistência do chocolate que se morde, não se parte com as mãos. E não só a consistência que a imagem sugeria – mas também a maciez que senti ao tocar-lhe com a ponta dos dedos. Trouxe-o para perto do rosto – sim, o aroma de chocolate vinha do anúncio.

Não fosse uma fotografia estampada num jornal, acredito que o meu cérebro processaria as informações que a minha visão, o meu tato e o meu olfato percebiam para concluir que eu estava diante não de uma imagem – mas de um chocolate, ele mesmo.

Se eu estivesse numa galeria de arte contemporânea, teria sido uma experiência de hiper-realismo. Como eu folheava um jornal – eu era alvo de uma ação de marketing sensorial. Neurocientistas, psicólogos e Marcel Proust estão a descobrir como o olfato, o mais primitivo dos nossos sentidos, é uma conexão direta às nossas memórias, às nossas emoções, aos nossos desejos. E os profissionais de marketing estão a usar essas descobertas para influenciar nossas decisões de consumo. Deixo essa fascinante reflexão para outro dia.

Hoje recorro a essa experiência com o jornal Metro porque ela deixa claro que existe tecnologia para produzir e imprimir fotografia colorida de muita qualidade, em alta escala, a custos razoáveis – mesmo para ser veiculada num meio de comunicação feito para durar um só dia. Ainda assim, o preto e branco continua fuerte. Nos vídeos de música, nos comerciais, nos editoriais de moda e estilo, no jornalismo, na arte. I wonder why.

Talvez porque sejamos nostálgicos – ainda que de um passado que muitos de nós sequer viveu.

Talvez porque algumas coisas fiquem melhor em branco e preto. Pense na adaptação para o cinema dos romances policiais a la Raymond Chandler e Dashiel Hammet – o film noir. Em estrelas de Hollywood fumando. Nos garimpeiros de Serra Pelada. Para sair do mundo das imagens, pense no tabuleiro de xadrez. Ou no keffieh – lenço-símbolo da cultura palestina transformado em objeto-culto no mundo da moda.

Talvez porque, no meio de tanta informação visual, alguma simplificação nos faça bem. Pense no vídeo de alto contraste para a deliciosa American Boy – precisa de alguma outra cor?