Acabo de conhecê-lo e ele me pergunta de onde eu sou. Intuo que ele queira saber de onde eu conheço o aniversariante, ou em que bairro de São Paulo eu moro. Não. Esse paulista me pergunta mesmo de que país eu sou. De que país da Europa eu sou, ele esclarece.
Não fosse ele lindo lovely sexy, eu teria respondido de pronto: Sou brasileira, paulistana. Mas essa pergunta fica ali congelada – eu sorrio enquanto algum locus do meu cérebro percorre minha memória em busca de informações e experiências que, associadas ou reassociadas, me ajudem a valorar aquela pergunta: Que eu tenha uma aparência européia, isso é bom ou ruim? De um homem, que se diga que ele parece italiano, isso é bom. Mas europeu? Mmm. E de uma mulher? Italiana seria bom. Ou não?
Não tem registro, Will Robinson.
É que eu falo de boca fechada, ele me explica, o que é típico dos povos ao norte do Equador. Durante invernos rigorosos, é preciso usar o calor e a energia do corpo com parcimônia – inclusive falando pouco, mais rápido, e de boca quase fechada.
Quê? Perigo, Will Robinson.
Procuro numa janela o meu próprio reflexo, tento imaginar o quanto a minha boca abre ao pronunciar cada sílaba. Percebo-me prestando atenção não no que ele fala, não no que as pessoas falam – mas em como os seus lábios se movem enquanto eles falam. É esse o olhar do dublador, Herbert? Do leitor de lábios, Alezito? Do fonoaudiólogo, Marília?

Por alguns dias,
I can’t take my mind off of it. Googlo climate, language, lips. E encontro algumas teorias que correlacionam – caramba! –
clima e sonoridade de idiomas. Pego-me falando algumas coisas em frente ao espelho. O rato roeu a roupa do rei de Roma.
The rain in Spain stays mainly in the plain. Olho o lábio das pessoas com que converso – algumas parecem incomodadas; desvio o olhar. Na TV, observo como jornalistas de idiomas e culturas distintas comunicam uma mesma informação. Globo News, CNN, BBC, Deutsche Welle, TVE, RAI, TV5.
Observo tudo isso, experimento tudo isso – é, algumas pessoas abrem mais a boca do que as outras. Mas meu cérebro não cria nada com isso. Ainda não tem registro, Will Robinson.
Alguns dias depois, estou na Livraria Cultura. Folheio The
Game: Penetrating the Secret Society of Pick-up Artists, de
Neil Strauss. Eu também não sabia, mas há uma cultura de sedução nos Estados Unidos, que faz uso de ferramentas mais comumente associadas à comunicação social e à neuro-lingüística. Enfim. Uma das táticas mais bem sucedidas, ensina o autor, é o neg hit ou cantada negativa – uma frase ou pergunta inusitada e ambígua, algo entre o elogio e a crítica. O neg hit funciona porque, entre outras coisas, gets her to think of the neg hit; therefore, gets her to think of you.
Was he neg hitting on me? Ah, não importa. Meu cérebro encontrou algum significado para aquela pergunta, aquele comentário. Closure, caso encerrado, resolução. Mas a grande descoberta aqui, a grande conexão, foi eu ter-me dado conta desse meu, er, sistema de busca e atribuição de sentido ou significado ao mundo, às minhas experiências.
E esse sistema é bom ou ruim? Como sistema ou ferramenta, imagino que seja bom. Mas uma coisa é esse sistema ser disparado como resultado de uma escolha que faço aqui e agora. Outra coisa, e muito diferente, é que ele opere em piloto-automático, buscando o significado de estímulos, ou ansiando por respostas a perguntas – apenas porque esses estímulos ou perguntas apertaram, em mim, certos botões.
E há algo mimético nisso. Não é só "o que ele quis dizer com eu falo de boca fechada?". É também, com 186 milhões (
ouch!) de brasileiros, "que motivo do crime o promotor Francisco Cembranelli apresentará na sua denúncia?", "a Nike manterá o contrato com o Ronaldo?". É esse automatismo, imagino, que nutre a curiosidade superficial e saltitante (die Neugier) de que fala Martin Heidegger.
Atenção pick-up artists, marqueteiros, id e super-id: Começo a entender como seus neg hits e teasers se operam em mim! More power to me!
High five, Will Robinson!