quarta-feira, 7 de maio de 2008

THAT DOES NOT COMPUTE, WILL ROBINSON

Acabo de conhecê-lo e ele me pergunta de onde eu sou. Intuo que ele queira saber de onde eu conheço o aniversariante, ou em que bairro de São Paulo eu moro. Não. Esse paulista me pergunta mesmo de que país eu sou. De que país da Europa eu sou, ele esclarece.

Não fosse ele lindo lovely sexy, eu teria respondido de pronto: Sou brasileira, paulistana. Mas essa pergunta fica ali congelada – eu sorrio enquanto algum locus do meu cérebro percorre minha memória em busca de informações e experiências que, associadas ou reassociadas, me ajudem a valorar aquela pergunta: Que eu tenha uma aparência européia, isso é bom ou ruim? De um homem, que se diga que ele parece italiano, isso é bom. Mas europeu? Mmm. E de uma mulher? Italiana seria bom. Ou não?

Não tem registro, Will Robinson.

É que eu falo de boca fechada, ele me explica, o que é típico dos povos ao norte do Equador. Durante invernos rigorosos, é preciso usar o calor e a energia do corpo com parcimônia – inclusive falando pouco, mais rápido, e de boca quase fechada.

Quê? Perigo, Will Robinson.

Procuro numa janela o meu próprio reflexo, tento imaginar o quanto a minha boca abre ao pronunciar cada sílaba. Percebo-me prestando atenção não no que ele fala, não no que as pessoas falam – mas em como os seus lábios se movem enquanto eles falam. É esse o olhar do dublador, Herbert? Do leitor de lábios, Alezito? Do fonoaudiólogo, Marília?

Por alguns dias, I can’t take my mind off of it. Googlo climate, language, lips. E encontro algumas teorias que correlacionam – caramba! – clima e sonoridade de idiomas. Pego-me falando algumas coisas em frente ao espelho. O rato roeu a roupa do rei de Roma. The rain in Spain stays mainly in the plain. Olho o lábio das pessoas com que converso – algumas parecem incomodadas; desvio o olhar. Na TV, observo como jornalistas de idiomas e culturas distintas comunicam uma mesma informação. Globo News, CNN, BBC, Deutsche Welle, TVE, RAI, TV5.

Observo tudo isso, experimento tudo isso – é, algumas pessoas abrem mais a boca do que as outras. Mas meu cérebro não cria nada com isso. Ainda não tem registro, Will Robinson.

Alguns dias depois, estou na Livraria Cultura. Folheio The Game: Penetrating the Secret Society of Pick-up Artists, de Neil Strauss. Eu também não sabia, mas há uma cultura de sedução nos Estados Unidos, que faz uso de ferramentas mais comumente associadas à comunicação social e à neuro-lingüística. Enfim. Uma das táticas mais bem sucedidas, ensina o autor, é o neg hit ou cantada negativa – uma frase ou pergunta inusitada e ambígua, algo entre o elogio e a crítica. O neg hit funciona porque, entre outras coisas, gets her to think of the neg hit; therefore, gets her to think of you.

Was he neg hitting on me? Ah, não importa. Meu cérebro encontrou algum significado para aquela pergunta, aquele comentário. Closure, caso encerrado, resolução. Mas a grande descoberta aqui, a grande conexão, foi eu ter-me dado conta desse meu, er, sistema de busca e atribuição de sentido ou significado ao mundo, às minhas experiências.

E esse sistema é bom ou ruim? Como sistema ou ferramenta, imagino que seja bom. Mas uma coisa é esse sistema ser disparado como resultado de uma escolha que faço aqui e agora. Outra coisa, e muito diferente, é que ele opere em piloto-automático, buscando o significado de estímulos, ou ansiando por respostas a perguntas – apenas porque esses estímulos ou perguntas apertaram, em mim, certos botões.

E há algo mimético nisso. Não é só "o que ele quis dizer com eu falo de boca fechada?". É também, com 186 milhões (ouch!) de brasileiros, "que motivo do crime o promotor Francisco Cembranelli apresentará na sua denúncia?", "a Nike manterá o contrato com o Ronaldo?". É esse automatismo, imagino, que nutre a curiosidade superficial e saltitante (die Neugier) de que fala Martin Heidegger.

Atenção pick-up artists, marqueteiros, id e super-id: Começo a entender como seus neg hits e teasers se operam em mim! More power to me!

High five, Will Robinson!

11 comentários:

Too-Tsie disse...

Sabe que eu já parei pra pensar nisso, e muito? E recentemente comentei com um amigo numa videoconferência (eu cá e ele em São Lourenço - MG) que ele fazia muitas caras e bocas enquanto conversávamos. Alguns dias depois ele se filmou e confirmou com vergonha, eu não sei pq.

Eu me policio as vezes, acho que deveria mover mais os lábios, sou muito discreto labialmente, damn!

Emilia disse...

mas a neg hit deu certo afinal ou não? vc encontrou de novo o moço pra dizer a ele que vc não é da Europa ou não? conte o final!!!!

Anônimo disse...

O neg hit deu certíssimo!!!!
Te deixou com um pulgueiro atrás da orelha...rs. Brilhante! Vou usar!

Lúcia BL disse...

Respostas:

ei, too-tsie!

rs, parece que o meu lábio inferior mexe com o maxilar... mas o superior fica ali parado. a menos que eu esteja sorrindo enquanto falo.

mas ainda não sei se isso é bom ou ruim, viu? bom, se quisésemos praticar a ventriloquia, certamente teriamos uma vantagem competitiva.

smack!

ah, emília!

alguns minutos depois dessa pergunta eu já havia passado toda a minha árvore genealógica. se houvesse papel e caneta por ali, eu teria até feito um desenho.

que falta de pick-up intelligence, viu? :-( hoje eu responderia em neg hit. quer dizer, em modo sheherazade, para usar um termo da tradição feminina de instigar.

mas esse seu comentário. você escreveu assim em modo die neugier para fazer uma brincadeirinha filosófica? ou eu realmente despertei a sua curiosidade?

besos!

salut, herbert!

você sempre prestou muita atenção nos lábios das pessoas, não é? você atribui personalidades às pessoas pelo modo com que elas movem os lábios?

beijo!

Anônimo disse...

Will Robinson me perguntaria se sou nórdico, pelo meu facies marmóreo e meu ser lacônico! E, só para constar, ainda hei de me tatuar "Atenção (...), id e super id..." do tanto que gosto dessa frase e de toda sua gama de possibilidades!

Anônimo disse...

kkkk A resposta pra Emilia está muito engraçada, tinha que ser um post...

Anônimo disse...

Ah... Gostei de ver vc falar um pouco sobre o que todo mundo está falando. E sobre televisão, pra variar. Achei que vc nem assistisse :-)

Anônimo disse...

Quem é Will Robinson? o cara que você conheceu?

Lúcia BL disse...

Respostas:

olá, fabiano! mais uma vez, obrigada por sua lealdade! beijo

olá, paula!

você é a paula vergueiro que estudou comigo no porto seguro? obrigada por todos os seus comentários e elogios :-)

sim, assisto à televisão. mas não o suficiente para considerá-la uma parte importante da minha vida, ou mesmo para acompanhar uma série.

no meu blog no uol, já escrevi que o melhor da dramaturgia americana (e talvez inglesa) hoje está na TV.
http://lux-religare.zip.net/arch2007-02-04_2007-02-10.html#2007_02-07_13_51_32-6540800-0

também escrevi sobre ER.
http://lux-religare.zip.net/arch2007-06-03_2007-06-09.html#2007_06-09_22_12_09-6540800-0

comecei a escrever um post sobre "ugly betty", que acho muito fofa. não sei porque não terminei. fiquei curiosa sobre "gossip girl" e "the l world" - ocorre que só assisti a um episódio de cada, e não me organizei para assistir a um segundo.

sobre as fotos de juergen teller, respondo no post "lendo imagens".

beijogrande

salut, celso!

"perdidos no espaço" é uma série de TV dos anos 60 sobre as aventuras de uma família americana numa nave espacial, bem, perdida no espaço. o menino chama-se will robinson. o robô da família tem algumas informações sobre os planetas pelos quais eles passam e seus habitantes (sim, eles vão parando em alguns planetas). então o robô alerta com "perigo, will robinson", ou comunica que não tem informação com "não tem registro".

essa frase "danger, will robinson!" voltou. acho que tem a ver com kidults e grups e uma nostalgia de coisas simples.

http://en.wikipedia.org/wiki/Danger,_Will_Robinson

beijogrande

Anônimo disse...

Obrigado pela resposta! Só faltou dizer o que são kidults e grups .

Emilia disse...

grups eu não sei. mas kidults, corrijam-me se estiver errada, são adultos que gostam de ficar relembrando coisas do passado,talvez numa tentativa de recuperar aqueles momentos felizes e sem responsabilidade da infância... tipo quem coleciona bonequinhos do Falcon, sei lá. a 'adultescência' é um fenômeno parecido...
Aproveito para responder sua pergunta, Lux. eu realmente fiquei curiosa pra saber se vc encontrou o moço de novo. um neg hit funciona de verdade se vc fica pensando só na pergunta e não na pessoa que a fez? conta o final, vai???