quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

YESHUA BEN YOSEF

Para os cristãos ele é o filho de Deus encarnado, para os muçulmanos ele é um dos profetas mais amados por Alá, para os judeus ele não é o Messias. Para alguns historiadores e arqueólogos ele foi um líder judeu entre tantos, para outros ele é um personagem fictício da mitologia cristã.

Mas uma coisa é certa: Se é que existiu, Yeshua ben Yosef – Jesus Cristo para os seus seguidores, Isa ibn Mariam para os muçulmanos, Jesus de Nazaré para historiadores e arqueólogos –, se é que existiu, ele não nasceu em 25 de dezembro. Estaria frio demais para o recenseamento dos romanos, a viagem de José e Maria à Belém, o parto num estábulo, pastores e rebanhos no campo, a visita de três reis vindos do oriente.

Mas quando, então, nasceu Jesus? Não se sabe – e isso até Bento 16 reconhece. E não é só por isso que os primeiros cristãos não celebravam o nascimento de Jesus. Celebrar nascimentos parecia-lhes coisa dos pagãos, algo mais apropriado aos seguidores de pecadores como o faraó ou Herodes.

Mas os dogmas, as doutrinas e os rituais dão lá as suas voltas – e em 354 o papa Libério decidiu que os cristãos passariam a celebrar o nascimento de Jesus, e o fariam em 25 de dezembro.

25 de dezembro?

As explicações teológicas encarregam-se de harmonizar a ressurreição de Jesus e as criações da luz e do sol com equinócios de primavera, para então concluir que Deus também teria concebido Jesus num equinócio de primavera. Nove meses de gestação depois – eis o 25 de dezembro! Para os historiadores, a data foi escolhida para cristianizar as várias e importantes festas pagãs de dezembro: Celtas, romanos e germanos celebravam o solstício de inverno ao longo do mês; persas e vedas e, mais tarde, romanos, celebravam o nascimento de Mitra, o deus sol, no próprio 25 de dezembro. Sim, os cristãos ortodoxos também comemoram o Natal em 25 de dezembro. Mas em 25 de dezembro do calendário juliano – e isso corresponde ao 7 de janeiro do calendário gregoriano.

O MEU YESHUA BEN YOSEF

E tudo isso por que mesmo?

Tudo isso porque se Jesus nasceu em 25 de dezembro ou em qualquer outro dia, se é o filho de Deus encarnado, se é um dos profetas mais amados por Alá, se não é o Messias, se foi um líder judeu entre tantos, se é um personagem fictício da mitologia cristã – ah, e daí? Foi através de Jesus – do meu Jesus, ao menos – que escolhi a vida que quero ter: Um movimento contínuo de buscar, descobrir e perder, de nascer e morrer – um eterno renascer, reinventar, reimaginar.

Você pode estar pensando que para isso não é preciso Jesus ou qualquer espiritualidade: Bastam a curiosidade, o joie de vivre, a disposição. Sim - para as almas mais nobres. Ou você pode estar pensando que essa vida que quero ter está em todas as espiritualidades, filosofias, e mesmo na ciência. Sim, eu já postei sobre isso. Mas tantas das espiritualidades, filosofias – e certamente toda a ciência – estão amparadas naquilo que budistas, hindus e jainistas chamam de lei do carma, e que Newton chama de lei da ação e reação. Sim, posso e devo aprender com os meus erros e transformar um comportamento não saudável. Mas esse comportamento não saudável, enquanto durou, fez os seus estragos, machucou pessoas. E isso me deixou um legado de carma negativo. E só elimino carma negativo através de méritos ou de sofrimento.

Mas não para Jesus: Posso e devo aprender com os meus erros e transformar um comportamento não saudável. E esse comportamento não saudável, enquanto durou, fez os seus estragos, machucou pessoas. Mas isso não me deixou legado algum. O amor e o perdão de Jesus – que sou convidada a imitar com quem me machuca – revogam a lei do carma e a lei da ação e reação. Estou nova diante de você, do mundo, de mim mesma!

Esse é o meu Jesus, aquele para quem basta que eu me deixe transformar pelo amor e agir pelo amor – ainda que tantas vezes me falte o amor a quem me desagrada, a quem me entristece, a quem me faz mal; ainda que tantas vezes o caminho para perdoá-los seja longo.

Talvez esse não seja o Jesus de todo mundo, e certamente não é o Jesus que justifica cruzadas, inquisições, guerras, exclusões, extermínios – os de ontem e os de hoje. Mas esse é o meu Jesus. Não preciso justificá-lo pois não estou fundando uma religião. Estou apenas construindo o meu paraíso. Não um paraíso que gozarei depois da minha morte, ou quando Jesus voltar: Um paraíso aqui e agora. Um paraíso como aquele que é anunciado à Maddalena di Coigny em Andrea Chénier:

“Io sono il dio che sovra il mondo
scendo da l'empireo, fa della terra
un ciel! Ah!
Io son l'amore, io son l'amor, l'amor"

Acima está uma imagem do Jesus dos muçulmanos, sobre o qual pouco sei. Espero que a Libanesa – agora em persona Morena do Banheiro –, enfim, a Libanesa, na sua infindável generosidade e erudição, lance-nos uma luz.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

VIVENDO NUMA GARRAFA

Bares e botecos nunca foram a minha praia.

Tantas vozes falando ao mesmo tempo, às vezes coisas sem profundidade ou mesmo sentido, a súbita intimidade que se acompanha de confissões desavergonhadas e detalhadas, as risadas à toa, a música mal executada ou distorcida lá atrás, a fumaça de cigarro, os aperitivos fritos, amarronzados – com tudo isso acho que posso conviver.

O difícil mesmo é que chega aquela hora em que eu preciso ir, em que não posso ficar nem mais um minuto com vocês...mas aí vem as saideiras, o deixa-disso, o fica-mais-um-pouco, o não-seja-desmancha-prazeres.

No começo de setembro, porém, tomando café-da-manhã com meus amigos Eric e Helen, reconheci que estava perdendo bastante da experiência humana ao me manter longe dos bares e botecos. Existe algo nesse beber junto, não? Uma camaradagem, uma entrega, uma conexão que dificilmente acontece na sobriedade.

Fiz desse o meu projeto de primavera: Estar em bares e botecos. E fiz dessa canção a trilha sonora do meu projeto: Lived in Bars.

A primavera termina hoje, com o solstício – amo essa palavra! – de verão. E é com todo prazer que anuncio: Missão cumprida! Desbloqueei de estar em bares e botecos! E não é só isso... quero mais!

Ah, muito mais: Eu quero mergulhar nesse vídeo e também ganhar um beijo da Cat Power, dançar com o povo da Memphis Rhythm Band, viver em bares, dançar nas suas mesas... celebrar a idéia de viver numa garrafa!

Taí um item para a minha lista de gratidão de 2007.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

NOW IS THE WINTER OF OUR DISCONTENT MADE GLORIOUS SUMMER

Não dá para escapar, nem para negociar: Todo mundo tem que passar por um. O da Rainha Elizabeth foi 1992, o meu é 2007. Refiro-me, é claro, ao annus horribilis.

Como no universo tudo tende a um equilíbrio, a uma compensação, 2008 será o meu annus mirabilis. Deus, na sua infinita bondade, não fará por menos.

É claro que um presente dessa abundância pede que eu esteja, er, sintonizada para recebê-lo e usufruí-lo en todo su lujo y esplendor. Então comecei dezembro em pleno modo feng shui, fazendo desbloquear e circular um monte de coisa e gente e energia na minha vida, e criando espaço para as boas novas.

Parte importante desse movimento, segundo os mestres, é cultivar um sentimento de gratidão. Gratidão por aquilo que mantenho, gratidão por aquilo que estou por receber, gratidão por aquilo de que me desfaço ou despeço, e gratidão por aquilo que foi o meu inferno.

Gratidão por aquilo que foi o meu inferno? Será que é essa a senha para que o inverno do meu descontentamento torne-se verão glorioso?

E quando esse inferno é a morte de alguém amado? Para quem perdeu alguém amado – e basta amar para passar por isso – a aceitação da morte já é tarefa sobre-humana. O que dizer de sentir gratidão pela morte? E que tipo de gratidão seria essa?

Talvez se trate de uma gratidão como aquela que canta Violeta Parra em Gracias a la Vida – obrigada à vida que me deu o riso e o pranto, pois assim distingo felicidade de tristeza. Ainda não sei. Talvez eu encontre alguma inspiração em A Liberdade é Azul, de Krzysztof Kieslowski. Ou no amor fati de que fala Nietzsche: Não só suportar o que é necessário, feio, doloroso – mas amá-lo. Ou em Shiva, deus hindu da transformação, que destrói para construir algo novo. Ou mesmo na sabedoria popular que diz que quando Deus fecha uma porta, abre uma janela. Ainda não sei.

Por ora me vejo visitada – talvez seja o meu cérebro reptiliano, como querem os cientistas, talvez o pecado que mora em mim, como diz Paulo, talvez o meu nafs al-ammara, como dizem os sufis, talvez a minha sombra, como prefere Jung –, por ora me vejo visitada por um sarcasmo quase irresistível, por um sarcasmo que chega irresistível mas que logo se dissolve. E que deixa apenas aqueles punchlines tão comuns nas sitcoms americanas:

Thank you... not!

Thanks for... nothing!

domingo, 16 de dezembro de 2007

MUITO É MUITO POUCO

Quem acompanhou o Religare I já conhece a história: Sou aos poucos... Li isso em Água Viva, de Clarice Lispector, e me senti compreendida, aceita. A Ludeju, o Serginho e a Priscilla S. sabem do que falo.

Mas vira e mexe alguém se surpreende: Como assim? Dessa vez é a Anna Benedita.

Bom, eu também já tive a minha vida de muito é muito pouco. E ainda tenho um pouco disso, claro. Há um lado meu que é, parodiando Carlos Drummond de Andrade, sempre aquela falta, sempre a mesma ausência – e muito é muito pouco para preencher aquela falta, essa mesma ausência!

Sei que não me explico bem, e nem vou tentar. Deixo isso para Caetano.

music player
I made this music player at MyFlashFetish.com.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

ALL ABOUT LÚCIA

Na primeira fase do Religare!, apresento-me aos meus leitores em fevereiro de 2007, dando-me conta das minhas procrastinações, dos meus descompassos com o tempo. É como se tudo precisasse ter o seu tempo – e esse tempo poucas vezes é agora. Três reis magos me revelam que procrastino porque acredito numa versão melhorada de mim. Por que lidar hoje com aquilo que me é árduo, maçante, apreensor, se essa versão melhorada de mim o fará amanhã com leveza, graça e sem esforço?

Uma versão melhorada de mim? Follow the yellow brick road!

Elejo esse o tema espiritual da minha viagem de carro pelo Brasil central com o Thomas. Mais: Saio de São Paulo convencida de que, ao final dessa viagem, estarei bem próxima dessa versão melhorada de mim. E ainda mais: Presumo que essa busca dar-se-á num mundo – o meu mundo, a minha realidade – que me é relativamente previsível, e um bocado favorável.

Mas que nada!

Em abril dou-me conta de que essa busca jamais seria concluída, tão menos ao longo dessa viagem com o Thomas. Ora, uma versão melhorada de mim é um moving target, e essa busca é para a vida toda. PARA a vida toda, não! Essa busca É a vida toda, em si mesma! O que é a vida senão um movimento contínuo de buscar, encontrar, perder, um movimento contínuo de nascer e morrer, de descobrir quem sou e buscar quem quero ser?

E o meu mundo relativamente previsível e um bocado favorável? Vejo-o abalado por uma sucessão de avalanches. Dois acidentes de avião tiram a vida de três dos meus sobrinhos – e o rumo da vida das pessoas que mais amo. A minha mãe tem um AVC que a leva à UTI e depois a deixa, por quatro meses, aos meus cuidados, na minha casa.

E isso nos traz a dezembro de 2007.

E isso é tudo. Tudo o que você precisa saber sobre mim para acompanhar o Religare!

BEM VINDOS!

Que a primeira fase, a fase UOL do Religare! tenha superado dez mil visitas, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é que eu tenha migrado para o Google Blogger. Ah, já era hora de proporcionar aos meus fiéis leitores e aos divertidíssimos Blogueiros Bafônicos uma experiência sensorial mais em linha com a sua, er, hipermodernidade. Ou ao menos com a sua lealdade – vocês, leitores, pouco me contaram sobre os tempos que habitam.

Quanto ao leitmotiv, não sei se agrado, teremos mais do mesmo: As bem-aventuranças e as mal-andanças da minha busca por uma versão melhorada de mim. Se vos agradar, finos leitores, pago-me da tarefa; se vos não agradar, pago-vos com um piparote, e adeus.